Soprando gravetos

Devolva meus adesivos brilhantes que colocava em minhas cartinhas, meu sapato colorido que piscava e apagava, a bailarina que rodopiava quando eu puxava a cordinha. Traga as risadas sem fim ao derrubar no chão da casa a cola de farinha que colava as bandeirinhas nas festas de São João. Permita que eu sorria sem ter razões, inclusive na minha foto de identidade que assim ela não sai com o famoso ar de pateticidade... Cidade me deixe cair inebriada, olhar as estrelas cadentes no colo de amigos sem medo de ser incomodada, seja por olhos retrógrados, corações vazios ou mãos revoltadas. Que eu possa tropeçar num estranho e ser abraçada, ter opiniões diferentes e não levar porrada. Devolva os sentimentos, a emoção de um longo beijo, de comer goiabada com queijo no deleite de boas conversas na madrugada. Me livre de tanto medo, de não perceber que grande parte dos meus anseios está ancorada em gravetos de palha, trançadas por prendadas paranoias urbanas. Me de os espaços de amor, ruas de pouso e poesia, não somente corredores de travessia, travessia ofegante, estressante de passos apertados para ir ao trabalho, gastar o salário, encher a cabeça oca, tirar o pai da forca ou qualquer outra coisa que não dê barato. Chega de rostos sisudos e corações lacrados, me dê um abridor, vou explodir todas as cores vendidas nos enlatados.

Nae Petit Supertramp